quinta-feira, 20 de março de 2014

FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO - TRAUMAS



Traumas causados pelo fundamentalismo religioso

            Ao estrear como Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, o deputado Marco Feliciano, é aplaudido de pé por grupos religiosos, deixando no ar uma nuvem de surpresa ao fazer declarações racistas e preconceituosas em pleno século XXI contra grupos religiosos que não são da igreja dele. O que mais surpreende é ver uma das mais importantes Comissões da Câmara Federal que luta contra a violação dos direitos humanos, receber como seu presidente justamente alguém que viola esses mesmos direitos.

            Até onde isso vai parar? Que consequências pode-se esperar de uma gestão intolerante e preconceituosa? Estaríamos diante de um exemplo de fundamentalismo religioso?

De forma nenhuma quero gerar polêmica, ofender ninguém ou atacar religiões e credos. A intenção é pura e clara quanto à consciência que me leva examinar o recrudescimento do papel da religião na sociedade atual, principalmente no que tange às manifestações do fenômeno do fundamentalismo religioso, do qual também já fui vítima.

Segundo Leonardo Boff (L. Boff, Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade – Rio de Janeiro. Sextante, 2002, p. 25), o fundamentalismo pode ser definido da seguinte maneira:


Não é uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante da história, que obriga a contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter sua verdade essencial. Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista.


            Fundamentalista é, portanto, aquele que está mais interessado em seguir os escritos da doutrina do que realmente vivificar as experiências do espírito. Uma interpretação, sem dúvida, cheia de riscos para uma mente fundamentalista, pois com a preservação da doutrina, significa que o único caminho para se chegar à verdade é através da forma de aprendê-la em detrimento de experimentá-la com todas as alternativas e de cercear a convivência com o diferente. A forma de aprender a verdade é, portanto, absoluta.

A verdade bíblica, por exemplo, simplesmente deve ser aceita sem a menor chance de ser questionada ou interpretada pela mente humana, que para os fundamentalistas, é ofensivo a Deus por ser um livro perfeito, inspirado por Deus, que deve apenas ser acatado sem contestação.


Caixa de texto: Esses são apenas alguns exemplos do que se pode encontrar na Bíblia:
•  “Deus mata todos os animais dos egípcios com uma forte pestilência. Nenhum sobreviveu à pestilência (Êxodo 9:3-6)”.
• “Deus mata todos os animais dos egípcios com uma chuva de granizo (Êxodo 9:19-21,25)”. 
Mas eles já não haviam morrido com a pestilência?
• “Os gigantes existiam antes da inundação (Gênesiss 6:4)”.
• “Noé, sua família e os animais da Arca sobreviveram à inundação (Gênesis 7:23)”.
• “Mesmo depois da inundação os gigantes continuaram existindo (Números 13:33)
Enquanto de um lado, alguns estudiosos da bíblia declaram que há centenas de contradições em suas páginas explícitas e implícitas, além de contestarem que Jesus não morreu na cruz, tendo fugido para a Índia onde morreu de velhice deixando descendentes, por outro lado há um marketing fantástico sobre a figura de Jesus morto na cruz, descaracterizando o  ser humano para santificá-lo numa imagem onde a espiritualidade parece carrancuda, triste e sofrida.

Tomando uma direção mais especulativa, é provável que determinadas autoridades religiosas fundamentalistas ainda promovam ações violentas para nossa época, vinculadas às manifestações de um radicalismo religioso, que além de gerarem traumas individuais, podem resultar em reações a traumas coletivos decorrentes das transformações culturais da Era Moderna.

            Consequências traumáticas oriundas do fundamentalismo religioso, que a americana Marlene Winell denominou de Síndromes do Trauma Religioso (STR), vem sendo tratadas há mais de 20 anos por Winell, que dedica sua vida ajudando pessoas se recuperarem dos traumas psicológicos causados por crenças religiosas e fundamentalismo religioso.

            Winell é filha de missionários da Assembleia de Deus e acreditava em tudo que lhe fora ensinado a respeito das escrituras sagradas. Entretanto, traumatizada pelos condicionamentos fundamentalistas, passou a viver uma vida dramática pensando que seria punida no grande Armagedon, porque temia não ter a aprovação de Deus. Depois de anos de sofrimento atormentada pelos seus próprios pensamentos, se especializou em desenvolvimento humano e estudo da família, lançando seu livro intitulado Leaving the Fold – A Guide for Former Fundamentalists and Others Leaving their Religion, sobre como se livrar das consequências de religiões fundamentalistas.

            Segundo Winell, os sintomas da STR vão desde a ansiedade, depressão e dificuldades cognitivas até à degradação do relacionamento social, decorrentes de ensinamentos e práticas religiosas.

Tal como Winell, eu também fui vítima da lavagem cerebral de religiões fundamentalistas, concomitante com as mais variadas superstições que foram inseridas em nossa mente desde crianças. Essas crendices vão desde as manifestações negativas do chamado ‘olho gordo ou mau-olhado’ até aos comportamentos estranhos como encontrar objetos perdidos com 3 pulinhos oferecidos a São Longuinho. Se tudo isso foi aprendido como verdade, o fato de Caixa de texto:  
As superstições são crenças baseadas na ideia de que determinadas atitudes, números ou palavras trazem azar ou sorte. Pode ser de âmbito pessoal, religiosa ou cultural, apoiadas na ignorância, no desconhecido e no medo. Algumas pessoas podem sentir no corpo seus efeitos, tais como cansaço, desânimo e pensamento recorrente de que a vida não dá certo por causa disso.
A superstição está presente em todas as religiões e age de forma nociva em razão de levar o indivíduo a temer coisas inócuas à fé em coisas absurdas. Os supersticiosos estão inclinados a acreditar em tudo, menos em si mesmos.
Alguns exemplos de superstição: quebrar espelho dá 7 anos de azar; guarda-chuva aberto em casa trás infortúnios; colocar a vassoura atrás da porta faz a visita indesejável ir embora; lavar a cabeça quando a mulher estiver menstruada tira-lhe a fertilidade; passar debaixo de escada dá azar; ter uma ferradura na porta trás sorte; bater na madeira 3 vezes afugenta os maus agouros; galhinho de arruda na orelha afasta mau-olhado; deixar bolsa no chão perde dinheiro; deixar o sapato virado traz azar; orelhas quente é alguém falando mal da gente, e tantas outras.
Repito: nenhuma dessas ou de outras práticas tem o mínimo valor para a vida humana. São realmente crendices idiotas, formas infundadas de crer em certas coisas por incapacidade de resolver um problema ou modificar uma situação.

acreditar no fim do mundo era incontestável.

Tinha 5 anos de idade quando meu irmão primogênito apareceu um dia afirmando convicto que o ‘mundo seria destruído no ano 2000’, pois assim proclamava as escrituras. Informações como essas, podem causar impactos terríveis e consequências incalculáveis, pois em um instante eu almoçava tranquilamente com a minha mãe, e no outro, estava completamente desnorteado no quarto rezando e pedindo perdão a Deus pelos meus pecados, ato que repeti por muitos anos a fio.

Educado no catolicismo, cheguei a ser coroinha e quase segui o celibatário católico como única opção de ter meus pecados perdoados e ser merecedor do perdão de Deus. Passei anos atormentado acreditando que o mundo acabaria realmente no ano 2000, e todos os dias contava o resto de tempo que ainda viveria pensando na possibilidade de me casar, ter filhos, uma profissão. A consequência foi uma vida de afastamento social causada por profunda timidez, dificuldade de relacionamento com amigos na escola e medo constante de tudo que pudesse mudar a minha rotina. Só venci a timidez 30 anos mais tarde.

            Bem, o fim do mundo não aconteceu, mas logo surgiu outro foco impregnado de especulação para aterrorizar o mundo nos 12 anos seguintes em cima do calendário Maia. Estudiosos, cientistas e previsões de todo o planeta prediziam o fim dos tempos em 21 de dezembro de 2012, que também não aconteceu. 

            Caixa de texto:      A Folha de São Paulo de 27 de abril de 2008 publicou que famílias deixaram cidades capixabas e mineiras, rumo a Ecoporanga (ES). Elas creem no retorno de Cristo e que o fim dos tempos está próximo. (Cíntia Acayaba da Agência Folha, em Ecoporanga-ES).
    “ Uma construção no meio do nada chama a atenção dos moradores de Ecoporanga (328 km de Vitória). Os lotes, porém, não estão à venda. Para viver ali, é preciso pagar outro preço: vender bens, deixar parentes, construir a própria casa e, sobretudo, acreditar que o fim dos tempos está próximo”.
     “São condições impostas pela evangélica Igreja Tabernáculo Vitória, fundada em 1985, que acredita no retorno de Cristo, anunciado por fenômenos como terremotos e o aquecimento global”.

O fundamentalismo religioso não se prende apenas a uma religião. Com o surgimento de várias igrejas evangélicas, nota-se que a questão bíblica continua firme com pregações manipulativas, uma verdadeira lavagem cerebral, que cobram dos fiéis um preço altíssimo para merecer um cantinho ao lado de Jesus, muitas vezes doando altas somas em dinheiro, bens móveis e imóveis. A linguagem utilizada pelos pastores é uma técnica denominada Linguagem Hipnótica Ericsoriana utilizada em tratamentos terapêuticos. Observe o tom de voz. A fala é a mesma: mansa, chorona. Os jargões também não mudam, há sempre uma senhora que está atormentada porque não aguenta mais o filho nas drogas, o marido que se entregou à bebida, a filha que deixou o lar e foi embora, a falta de dinheiro, a tristeza no coração, etc.

Igrejas como a Testemunha de Jeová, continuam pregando que o mundo tentado por satanás um dia vai acabar e só elas sobreviverão ao grande Armagedon, época em que o Cristo (que provavelmente já reencarnou várias vezes), descerá dos céus para separar o joio do trigo e só os crentes sobreviverão para viverem eternamente no Paraíso.

            Pessoas como estas, vivem angustiadas e temerosas pelo iminente fim do mundo e esperam ser conduzidas ao céu em nome de uma fé cega e irracional, pois foram, desde crianças, habituadas a esperar por esta catástrofe. Mas não é só isso. Além da permanente angústia, são impedidos de ofender a Jeová e desde cedo são proibidos de celebrar aniversários, festejar o carnaval, páscoa, natal, ano novo e quaisquer outras datas de origem pagã, só porque não são mencionadas nas Escrituras Sagradas. Algumas impedem o corte de cabelo, ver televisão, usar determinadas roupas, entre outras coisas que não fazem o menor sentido para nossa época.

            Em um país laico como o Brasil, era de se esperar que a pluralidade de religiões trouxesse mais liberdade de expressão quanto a religar o indivíduo com a sua divindade e, assim, cada um respeitasse o espaço do outro e encontrasse a religião que melhor lhe conviesse para crescer e evoluir espiritualmente. Mas não é o que acontece.

            No cristianismo fundamentalista, por exemplo, o indivíduo já nasce pecador e, portanto, é considerado um depravado e deve lutar pela sua salvação para não perecer eternamente no inferno. Uma criança que desde cedo aprende a ver figuras dantescas do suposto inferno bíblico e precisa reverenciar uma imagem triste e por vezes sangrenta de Jesus pagando pelo pecado dela, é, no mínimo, perturbadora. As consequências futuras são incalculáveis e podem se manifestar na sua vida adulta, por serem doutrinadas e aterrorizadas por memórias de imagens do inferno e do apocalipse, na forma de ataques de pânico, TOC, Fobia Social e outros transtornos psicológicos. Casos e casos podem ser enumerados para exemplificar fracassos e frustrações, em nome de uma religião.

            Em meados de 2002, meu amigo P. deixou mulher, filhos, amigos e mudou-se para uma cidade próxima à São Paulo, onde tem um templo da religião que ele seguia. A esposa, sem alternativas, acabou acompanhando o marido na mudança, mas a filha infelizmente não arredou o pé de São Paulo onde passou a viver uma realidade muito diferente da que tinha no âmbito familiar.

            Meses depois, completamente alucinado com os ensinamentos e os níveis que estava galgando dentro do templo e determinado a participar de todas as reuniões pertinentes à sua religião, P. foi convidado a realizar serviços remunerados na compilação e diagramação de livros religiosos para posterior publicação, onde se sentia útil fazendo um trabalho de relevante altruísmo. Com o relacionamento mais estreito, as fichas foram caindo ao perceber o comportamento inadequado de pessoas consideradas líderes e preletores ilustres de tão nobre conceito espiritual, onde no púlpito pregavam uma coisa e fora dele faziam outra completamente diferente. Por esta razão, ele desistiu do emprego e, consequente, de seguir aqueles ensinamentos.

Essa pessoa vive até hoje insatisfeita com as escolhas que fez para defender uma religião com unhas e dentes, pela qual tomou decisões importantes para sua vida vislumbrando tornar-se um ser mais evoluído, e, no entanto, foi atropelado pela frustração de um pseudo encantamento religioso que ainda está presente nas sequelas e feridas não curadas, causadas em si mesmo e em sua família.

Recentemente li o caso de uma australiana (Nicky Davis) que sofreu abuso de autoridades religiosas na infância. O trauma foi tão grande que 38 anos depois, ainda chora desesperadamente ao lembrar-se de um padre deitado sobre seu corpo de 11 anos, espremido no sofá da sala da casa da família, em um subúrbio de Sydney. Para os pais fanáticos, era motivo de orgulho ter uma autoridade da igreja visitando a casa. Já Emma Foster, outra vítima de abuso sexual por parte de religiosos católicos, se matou aos 26 anos (jan-2008) com uma overdose de comprimidos, em Melbourne. “Levei para um colégio religioso, porque fui criada na igreja e achava que elas estariam seguras ali”, desabafa Chrissie, mãe de Emma, falando de suas filhas.

Os abusos com Emma começaram quando tinha 6 anos de idade. Cresceu com os fantasmas do passado lhe atormentando e começou a se punir, ficou anoréxica e finalmente desistiu de viver depois de ser internada duas vezes em clínicas psiquiátricas, tentando se recuperar do trauma. Sua irmã Katie, que também foi abusada pela mesma autoridade religiosa, passou a beber ainda jovem e, hoje, precisa de cuidados 24 horas por dia, decorrente de um atropelamento que sofreu sob o efeito da bebida.

Essas crianças, quando tomam consciência, buscam esquecer os fatos ingerindo drogas, viram alcoólatras e depressivas, sofrem de distúrbios psicológicos e problemas alimentares, passam a viver uma vida miserável distante da sociedade, sem conseguirem estabelecer relacionamentos, mesmo com os familiares. Na maioria das vezes procuram apoio psiquiátrico e passam a tomar remédios fortíssimos, às vezes escravizando-as pelo resto de suas vidas, enquanto que a psicoterapia é uma potente ferramenta de ajuda que pode causar mudanças positivas em tempo relativamente curto.

Técnicas complementares como a PNL (Programação Neurolinguística), EFT (Emotional Freedom Techniques), EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing – ARASI, Diana et al. Trauma e EMDR – Uma nova abordagem terapêutica. Brasília: Nova Temática, 2007), fazem parte da oferta de tratamento de traumas psicológicos. Essas técnicas visam à elaboração do material traumático de modo a promover a despotencialização para tirar o poder perturbador, de modo que se o paciente acessar as memórias, elas não terão mais nenhuma perturbação, deixando-o livre para seguir em frente. Evidentemente, cada indivíduo é único e o tratamento deve ser diferenciado. Portanto, a utilização de qualquer técnica deve respeitar o processo individual, sendo que outras formas de atuação também devem ser consideradas e utilizadas concomitantemente, inclusive as abordagens cognitivas.

Existem muitos exemplos de homens e mulheres que venceram as adversidades da vida para se tornar pessoas de sucesso ou em pessoas melhores após uma situação traumática, como o pai ou mãe que em vez de se entregarem ao sofrimento e à dor de perder um filho, transformam o trauma em um aprendizado para ajudar outros pais que vivenciaram a mesma experiência. Isso se chama resiliência, termo emprestado da física que indica a capacidade que alguns materiais possuem de melhorar a sua qualidade após serem submetidos a situações extremas. O mundo não está repleto de pessoas resilientes, mas é uma qualidade que pode ser aprendida e desenvolvida na psicoterapia e, quem sabe, daqui algumas centenas de anos o mundo poderia ser perfeito, mesmo com altos e baixos, por que não?

Infelizmente, o fundamentalismo existe em todo o mundo: O fundamentalismo Islâmico, o fundamentalismo norte-americano e tantos outros. Nesse instante, provavelmente pessoas estão se vestindo com bombas para matar pessoas em nome de um suposto Deus que o levará a viver no paraíso saboreando tâmaras com lindas mulheres. De tudo isso, um fato é verdade: O que seria do amarelo, se todos gostassem do azul? 

Se eu fosse um ET observando o comportamento humano, não só diante do fanatismo religioso, talvez dissesse: “Atenção Planeta XPTO... informando que os humanos acreditam em coisas imaginárias só porque alguém lhes ensinou, e em livros antigos que ninguém sabe exatamente quem os escreveu, mas os seguem com invejável dedicação. Fim da mensagem”. Também pensaria – como ET - que se humanos não conseguem chegar à conclusão sobre algo que não deve ser questionado, é porque está muito errado. Como seres inteligentes e lógicos que pensam ser, como é possível ainda se perderem nos caminhos que supostamente os levariam a Deus?

Gosto de simplificar. Diante de uma religião autoritária e patológica, prefiro andar sozinho e sarcasticamente respeitar o que está escrito de forma sagrada: “Diga-me com quem tu andas e direi quem tu és”. Por isso, entre mim e Deus não há intermediários, seja padre, pastor, rabino, mãe ou pai de santo. A conversa geralmente é de homem para homem. 

Assim, diante de um ser que ocupa o cargo de Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e dá sinais de ser uma pessoa preconceituosa, principalmente pelas diferenças religiosas, fico imaginando se realmente não vale mais a pena eu continuar na minha posição de ET, onde, pelo menos, consigo ter um pouco mais de coerência e clareza de pensamento. 

OOOps! Será que ET tem religião?

Getúlio Gomes
Pós Graduado em Gestão Financeira e Gestão Estratégica de Pessoas para Negócios, Psicanalista, Trainer em PNL e Coach Sistêmicos, consultor, palestrante, autor do livro “Sai desse corpo que não te pertence – Uma maneira divertida de exorcizar a autossabotagem”. Email: getulio.consultor@terra.com.br. 

TEXTO PUBLICADO NA REVISTA PSIQUE.
 

DIAS DOS PAIS



DIA DOS PAIS

Entre tantas datas comemorativas, o dia dos Pais é mais uma que festejamos sem que tenhamos a menor sensibilidade sobre o que realmente estamos comemorando. Por um lado, a sociedade segue o protocolo estabelecido por um marketing maciço que visa somente lucros com a venda de presentes. E nós, filhos e filhas? Festejamos verdadeiramente o fato de ter tido o pai que tivemos? Será? Será que somos filhos de um pai que idealizamos ou somos aqueles filhos que o desafia e o enfrenta sempre que nossas expectativas não são satisfeitas? Por outro lado, será que nosso pai sente orgulho de ter a família que constituiu ou é daqueles que até hoje mantêm um relacionamento contrariado por “ter” sido pai sem querer?

            Muito cedo descobri que tinha um pai ausente e distante de qualquer data comemorativa do tipo que precisa passar com a família. Vivi muitos conflitos, clamei por atenção e cresci olhando de lado o homem que me deu a vida, pois de frente viviam pais que davam o exemplo participando dos estudos de seus filhos, lazer, sonhos. Menos o meu.

            Entretanto, tive a sorte de passar algumas férias com ele, tempo suficiente para saber que ele era um homem especial, que dando apoio ou não, vivendo comigo ou não, dividindo sua atenção ou não, vivemos uma conexão que me ajudou a olhar a vida com mais otimismo. Mas aquele foi um dia terrível em que uma voz estridente disse: “Então não precisa mais me considerar como pai”. Como assim? Só porque preciso da sua ajuda e não quero fazer o que você pede? Tenho uma vida e nela colocarei minha atenção e, se para isso, tiver que ir embora, irei.

            Trinta anos se passaram sem que encontrasse uma única oportunidade para dizer o quanto aquelas palavras me machucaram, mas ao mesmo tempo, me transformaram em alguém mais corajoso e independente. Pensei muitas vezes chamá-lo para uma conversa e dizer o quanto foi ruim viver com essa lembrança, mas acabei pensando que não valeria a pena já que tudo havia mudado, muitos anos haviam passado. Essa coisa mal resolvida do passado ficou lá atrás porque não tive coragem para começar um diálogo como esse que estou fazendo agora, no presente.

            Mas por que exatamente agora? Ele já se foi e as oportunidades também. Sei que ele deve ter contemplado lembranças da sua infância sofrida, como estou contemplando a minha agora, mas a emoção que sinto não poderá mais chegar até ele. Assim como eu, sei que ele também controlou suas emoções durante anos para se fingir de forte dizendo que “homem que é homem não chora”, então eu também não vou chorar.

            Se eu pudesse rebobinar o tempo e tivesse uma única oportunidade de ver meu pai com cinquenta anos, talvez eu lhe dissesse algumas verdades sobre seu comportamento, mas também diria sem pestanejar que o amo e nada daquilo que eu disse que ele fez e me magoou ou não fez porque não podia, mudaria esse amor que tenho dentro de mim. Já me perdoei por ter-me deixado ser magoado por um punhado de palavras que queriam dizer o quanto eu era amado e, também, pela oportunidade de perceber que seu passado provavelmente deve ter sido prá lá de terrível. Tê-lo perdoado não significa que concordo com sua ausência, mas me abriu a mente para conhecê-lo melhor sem qualquer julgamento da minha parte.

            Se você é aquela criança que cresceu desamparada pelo pai e, por isso, não o valoriza por qualquer razão, agradeça pelo menos por estar vivo e saia do seu interminável silêncio para tomar a direção de uma vida mais aberta com seus filhos. A gratidão não deve ocorrer somente no dia dos pais, mas todos os dias do ano para que através dessa ação, possamos demonstrar um ato de carinho verdadeiro com a gente mesmo. Mas se tiver alguma pendenga para acertar, não espere um só minuto. De uma hora para outra, “puff”, a vida se vai e você jamais saberá o quanto ele pode ter-se envergonhado de não ter feito mais, construído mais, oferecido mais do que um dia você esperou, só para que você pudesse ter um pouco de orgulho dele e dizer: “Este é o meu pai”.

            Hoje compreendo suas atitudes e queria poder dizer a ele que o fato de ter-me dito um dia “então não precisa mais me considerar como pai” foi uma grande mentira, um ato de desespero porque seu coração de matuto não sabia dizer: “Meu filho, estou preocupado porque não posso ajudá-lo como eu gostaria, por isso estou agindo dessa maneira”. Se pudesse voltar no tempo, também diria que eu o escolhi para ser meu pai e que o será sempre, porque eu decidi isso, porque eu o escolhi apesar de todos os seus defeitos, ausências e desencontros. Apesar de ter-me proibido de considerá-lo, eu hoje o compreendo, pois sei que o seu desespero foi maior do que a sua própria ignorância.

            Mas você que lê esse artigo, se tiver algo a ser resolvido com seu pai e oportunidade para resolver, não perca a chance, isso é uma das coisas na vida que ninguém tira vantagem, mas pode ser uma das experiências mais gratificantes que podemos nos dar de presente no dia que celebramos o Dia dos Pais. Lembre-se que um dia você pode ter dito: “Pai, não se meta na minha vida”, mas a verdade é implacável e talvez você nunca saiba a resposta que ele tinha para lhe dar: “Filho, eu não me meto na sua vida, é você que se meteu na minha”. Sabe por quê? Porque ele o respeita mais do que tudo na vida.

Getúlio Gomes
Pós Graduado em Gestão Financeira e Gestão Estratégica de Pessoas para Negócios, Psicanalista, Trainer em PNL e Coach Sistêmicos, consultor, palestrante, autor do livro “Sai desse corpo que não te pertence – Uma maneira divertida de exorcizar a autossabotagem”. Email: getulio.consultor@terra.com.br.

TEM QUE SER DE GRAÇA




Principalmente quando o assunto é trabalho espiritual, as pessoas em geral acham que não se deve cobrar por esses trabalhos.

Preste atenção: fazer um trabalho de graça, porque “eu quero”, não é necessariamente desvalorizar o meu trabalho, pois no fundo estou fazendo isso por algum motivo egoísta mesmo (investimento, reconhecimento, apresentação, fama, etc). Pior do que fazer de graça é cobrar menos do que você vale.

Quando você faz algo cobrando menos do que você vale, falta motivação. Motivação é energia e, portanto, você está em sentido contrário com as Leis de Prosperidade que segue um equilíbrio. Os orientais sabem disso. No oriente, quando se faz ou dá algo de graça para alguém, em contrapartida esse alguém faz ou dá algo de volta, mesmo que de maneira simbólica, para não ficar em débito. As ciganas quando leem seus baralhos, pedem pelo menos uma moeda de qualquer valor, em troca.

Essa é uma questão que está no nível subconsciente de cada um, porque aprenderam através da frase “dai de graça o que recebestes de graça”, sem levar em conta que não há ninguém que não possa pagar ou retribuir, de alguma forma, pelo que recebe.

Imagine que em novembro você olha na vitrine de uma loja e vê um artigo por 300 reais, mas não compra até chegar janeiro, quando o mesmo produto está em oferta por 100 reais, que está próximo do seu preço de custo. Então você pensa: “É claro que por 100 reais eles ainda estão lucrando”, sem levar em conta as despesas de manutenção da loja, pagamento da carga tributária, salários etc. Então você sai da loja com uma péssima imagem, como se a loja estivesse fazendo um assalto à mão armada, ou, no mínimo, pensando que estava lhe “passando a perna”. 

Por isso, às vezes é melhor considerar não cobrar de uma vez por todas do que dar um grande desconto onde o profissional perde motivação, podendo, inclusive, arranhar sua imagem com o cliente, que vai pensar sempre que foi ludibriado. Então, trabalhar de graça é sim um favor cujo benefício deve estar bem claro para o cliente, e que ele terá que ceder em algum ponto, para que haja fluxo energético em ambas as partes.

Por outro lado, vamos analisar melhor a consideração do parágrafo anterior: “melhor considerar não cobrar de uma vez por todas do que dar um grande desconto...”.

O Brasil tem uma cultura da “Lei do Gerson” (onde todos querem levar vantagem). A cultura escravagista permanece até hoje de uma forma velada, só o nome evoluiu: de escravo a empregado; de empregado a colaborador e, por fim, de colaborador a consultor de alguma coisa. Pouco ou quase nada mudou em nossa cultura financeira onde as pessoas, em nome de um salário, enfrentam de 4 a 6 horas a lentidão de um sistema de transporte caótico, para trabalharem “livres” em jornadas que chegam, em alguns casos, a quase 12 horas diárias, ganhando uma merreca para trabalhar feito loucos; onde em qualquer esquina tem sempre alguém pedindo algo, seja um favor, um serviço ou algum bem. Todos pedem e todos adoram receber.

Vários estudos, antes esotéricos, hoje metafísicos, perceberam que há uma aplicação lógica no plano concreto das ideias, que você pode compreender, ou seja, as Leis Universais não se adaptam a você, é você que deve se adaptar a elas. Por este motivo, pedir favores sem dar nada em troca, é cessar uma Lei Universal de equilíbrio, porque cessa o fluxo de energia. Por mais humilde que seja a pessoa, ela tem sempre algo a fazer por alguém em retribuição de algo recebido, seja através de uma palavra, de uma oração, de um sorriso. Metafisicamente, quando se recebe um bem, está recebendo matéria que, antes, ocupava um lugar no espaço que chamamos de Campo das Possibilidades Infinitas, o qual todos podem acessar. Portanto, o “nada” não pode dar origem a nada e, isto, será tirado de quem não retribui, seja hoje, amanhã ou em algum lugar no tempo.

Serviço é, pois, energia, favor é energia, emprestar meu tempo a serviço da Espiritualidade é energia e energia não surge do nada, portanto, deve ser cobrado porque dinheiro também é energia. Quanto custa aprender? O maior problema está em pessoas que vivem procurando um jeitinho de se dar bem, de ganhar sem retribuir, agindo como sanguessugas obsessoras usurpando favores, coisas e serviços, principalmente alguns amigos, parentes e clientes folgados que aproveitam desta condição e pensam que somos obrigados a prestar-lhes serviços profissionais, de graça. Basta estar em uma reunião social para que alguém encoste dizendo: “Doutor, quando dói aqui, é o quê?”; “Eu tenho um amigo que colocou a empresa na Justiça...”, e por aí vai.

Esse é um comportamento apoiado na crença de que a amizade é mais importante do que a atitude profissional, onde o despojamento esperado de nós é sinal de desapego. Ledo engano! Apenas estão nos usando e aviltando nosso profissionalismo.

Então, perca o amigo, o parente, o cliente, mas não sacrifique sua dignidade profissional com essa maldição de FAZER DE GRAÇA o que a maioria pagou caro para ter o direito de fazer.

Da próxima vez que alguém precisar de ajuda e disser que seus serviços não devem ser cobrados, sejam eles espirituais ou não,  responda com calma e tranquilidade: “Me dá aí uma ideia do que fazer para ajuda-lo que a gente executa o trabalho juntos”.


Getúlio Gomes
Pós Graduado em Gestão Financeira e Gestão Estratégica de Pessoas para Negócios, Psicanalista, Trainer em PNL e Coach Sistêmicos, consultor, palestrante, autor do livro “Sai desse corpo que não te pertence – Uma maneira divertida de exorcizar a autossabotagem”. Email: getulio.consultor@terra.com.br.